A verdadeira história de Mary McIntyre

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A caneca de café sem açúcar resfria em minha mão esquerda enquanto observo, da janela do escritório, o voo de uma gaivota que lidera o seu bando. Na calçada, um senhor, de Chapéu Panamá, caminha apressadamente segurando um buquê de rosas vermelhas. A pedido do prefeito, poucas pessoas circulam na rua e um silêncio incomum me faz ouvir os batimentos do meu coração.

Já são 6 horas da manhã e preciso ligar o computador para escrever mais um texto especial, uma homenagem, como de costume, no Dia Internacional da Mulher. Escreveria sobre Raquel, minha mãe ou minha filha, todas dignas de homenagens, se não fosse um constrangimento inexplicável de compartilhar com você, leitor, sobre uma outra mulher.

Preciso revelar o que sei e o que penso, e trarei à tona informações pouco comentadas ao longo de um século que mudarão a sua percepção sobre os limites do ser humano. E prometo contar tudo que for possível. Desta vez, eu serei o réu. Julgado, condenado ou absolvido, minha sentença está em suas mãos. 

As lentes dos óculos embaçam enquanto abro uma página em branco e começo a digitar. No primeiro parágrafo, escrevo o nome da personagem principal desta história real. Por um instante, surgem imagens em minha mente de pessoas em quem confiei, são “amigos mais chegados que irmãos”. Semelhante a mim, você deve ter experimentado alegrias e dissabores de pessoas as quais confiou um segredo, ajudou financeiramente, esteve presente nos dias “de lutas” e “de glórias”, mas que não corresponderam a sua dedicação e lealdade. 

Respiro profundamente e tento me concentrar no texto. As mãos transpiram, as pontas dos dedos umedecem as teclas que imprimem as minhas digitais. Sou um homem que aprendi com meus pais, na vida acadêmica e no ofício da profissão como advogado e juiz, a lutar pela justiça e a verdade sem distinção de cor, raça, credo ou religião. Viver de forma honesta, cumprir e honrar seus compromissos fazem parte dos princípios cristãos. Sei que muitos ainda estão no processo de construção de um novo caráter, pois não compreenderam que foram regenerados, resgatados e carecem da graça e do perdão divino. 

No dia 24 de agosto de 2004, ao término da cerimônia da minha posse como novo Diretor-geral do Colégio Batista Brasileiro, fui interrompido por minha secretária enquanto recebia os cumprimentos de amigos que estavam presentes. “Dr. Gézio, perdão. Mas é necessário. Tem uma senhora que está muito nervosa e deseja muito falar com o senhor, e precisa ser agora”. Sem compreender o porquê de ser interrompido daquela maneira, pedi licença às pessoas que queriam se despedir e caminhei em direção à senhora distinta que me aguardava no meio do salão nobre. Ela caminhou também em minha direção e disse:

“Boa noite, Dr. Gézio. Sou Elisa Botelho Byington”.

“Boa noite, senhora. Me desculpe; você não é Elisa Botelho Byington”. Ela engoliu seco, inclinou a cabeça, sem entender minha reação e continuou.

“Sim, sou eu”, insistiu. “Você não é Elisa Botelho Byington. Eu a conheço; e não é você”, exclamei.

Naquele momento houve uma longa pausa e seus olhos marejaram. “É verdade. Meu nome não é Elisa. Sou Maria Elisa. O senhor conhece minha mãe?”. Respondi que sim, a conheci. E agora estava tudo explicado. Minha voz embargou ao perceber que, dos olhos brilhantes, deslizou em seu rosto um orvalho de emoção.

Convidei-a para sentar, enquanto os amigos atualizavam assuntos nostálgicos que sempre faziam questão de lembrar em cada reencontro. “Gostaria de contar uma história que o senhor não conhece”, disse Elisa. Questionei, intrigado, qual seria a história..”A história sobre Mary McIntery. Sou sua neta e me sinto no compromisso de compartilhar o que sei, pois entendo ser importante”. 

Amigo leitor, aquele seria um dos momentos “divisores de águas” na minha história. O conhecimento que você terá acesso hoje poderá mudar o seu dia, a sua semana ou a sua vida inteira. Leia com atenção, pois Deus quer falar com você. 

Volto os meus olhos para o céu, peço ao Senhor que me capacite a ser fiel, bebo um copo d’água e continuo a digitação.

Mary McIntery era filha de imigrantes americanos, uma aluna aplicada. Foi sabatinada pelo próprio D. Pedro II por seu talento em álgebra (paro e fico a sorrir, sozinho, imaginando a cena de D.Pedro II, com toda sua indumentária europeia, no calor tropical paulista, com seu cavalo “branco”, adentrar ao pátio do colégio para interrogar a estrangeira). 

Certamente você já ouviu falar mais no nome de sua filha, pelo legado da Cruzada Pró-Infância, assim como pelo hospital de referência no atendimento às mulheres na cidade de São Paulo que leva o seu nome, Pérola Byington. 

Mary participou da fundação da primeira igreja batista no Brasil, em 1871, na cidade de Santa Bárbara d´Oeste, interior de São Paulo, lugar onde se casou. Em 1884, mudou-se para Jundiaí e inaugurou o Colégio Internacional de Campinas. Peregrinou por várias cidades; ora era proprietária de colégio, ora professora de reconhecimento e prestígio. Numa época em que a educação era uma atribuição feminina, Mary fez mais do que isso: trabalhava para completar o orçamento familiar.

Então, o que ela fez de errado? Você deve estar se perguntando.

O interfone toca insistentemente e interrompe os meus pensamentos até que o silêncio retorna.

Respondendo a sua pergunta: Mary não fez nada de errado. Reabriu o Colégio Progresso Brasileiro, onde estudaram figuras públicas como um dos fundadores da Universidade de São Paulo e governador de São Paulo, Armando de Salles Oliveira; e Roberto Simonsen, empresário, historiador, político e fundador do Centro das Indústrias de São Paulo, o que hoje chamamos de FIESP; dentre outras pessoas muito influentes no cenário nacional.

Penso quantas noites em claro Mary passou para preparar aulas, gerenciar pais e colaboradores, finanças, potencializar o conhecimento de alunos brilhantes, para depois vender o Colégio Progresso Brasileiro, que se tornaria o atual Colégio Batista Brasileiro, para sua velha amiga da época de Santa Bárbara, Anne Bagby, que não pagou a última prestação. Isso mesmo. Você acha justo? Como se sentiria? Como isso é possível acontecer? Não eram amigas? Eu afirmo que Mary estava certa. Ela tinha o direito de cobrar, mas abriu mão de receber, pois reconheceu o esforço de Anne para saldar a dívida e a abençoou na última prestação. Quão bom seria se mais pessoas reconhecessem o esforço e dedicação do outro, e assim não haveria tantos processos na Justiça.

Hoje, escrevo esta homenagem inspirado nestas duas mulheres empreendedoras, resilientes, visionárias, tementes e generosas. 

Existem leis que o mundo não conhece. A lei do amor de uma mulher pela sua família, por sua missão, profissão e por suas amigas.

O perdão da dívida foi um gesto de generosidade, e para que seja sempre lembrada, no corredor do colégio, está a foto de Mary McIntery. Sou grato, pois as amigas foram fiéis à visão que Deus lhes concedeu. O resultado de tamanha dedicação será celebrado amanhã, no dia 9 de março, quando completaremos 119 anos do Colégio Batista Brasileiro. 

A todas as mulheres semelhantes a Mary, Anne, Pérola, Maria Elisa, Elisa e Raquel o meu muito obrigado. E a você, leitor, que Deus o inspire a investir na Educação como instrumento de transformação em todo o tempo.

Dr. Gézio Duarte Medrado
Diretor-geral

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